
Tem início no blog coluna “Quadro a Quadro”, que vai tratar da nona arte, uma mera diversão para uns, mas uma verdadeira paixão para outros: o mundo dos quadrinhos. Diferente dos vídeo-games, não considero os quadrinhos um vício, mas um amor verdadeiro que me acompanha desde que comecei a ler (quem sabe até antes, não me lembro!). Adoro filmes, música, jogos, esportes, mas quadrinhos são algo especial. Cada personagem é um amigo imaginário que carrego a vida toda, em cada revista eu sou capaz de sofrer com as dificuldades do herói ou comemorar suas façanhas, e também identifico ali alguma coisa da minha vida. Me considero um privilegiado por ter crescido e passado todos os conflitos da juventude na companhia de todos os maravilhosos personagens das histórias em quadrinhos, é pena que nem todos descobrem este fantástico universo nas suas vidas.

Como, entre os autores deste blog, sou o “especialista” em quadrinhos, creio que vou monopolizar esta coluna daqui pra frente, então é bom que fiquem claras minhas posições e preferências em relação à nona arte. Iniciando meu caso de amor na infância, segui o caminho natural das coisas, com a leitura de quadrinhos de super-heróis e humor infanto-juvenil. Nunca os larguei de mão, mantenho até hoje minha coleção iniciada há cerca de 20 anos, mas, continuando no caminho natural das coisas, ao entrar na adolescência comecei a descobrir que os quadrinhos não se limitavam àquilo, descobrindo os quadrinhos mais adultos e mais sérios, começando pelos revolucionários da década de 1980 como Allan Moore e Frank Miller, passando por obras sofisticadas de autores europeus como Moebius e Manara, descobrindo posteriormente os mangás e finalmente pegando interesse pela parte teórica da coisa.

Vale também expor minha opinião sobre os quadrinhos hoje no Brasil: uma lástima. Estamos à mercê de uma única editora com um mínimo de condições de publicar algo regularmente, a Panini, que monopoliza os direitos das duas principais editoras norte-americanas de super-heróis (Marvel e DC) e entope as prateleiras com este e outros tipos de revistas (mangás de qualidade duvidosa e poucas obras que podemos chamar de arte). A publicação de revistas de super-heróis (o que mais vende, portanto, o que mais importa para o mercado) se dá da seguinte maneira: são compiladas normalmente quatro histórias diferentes em uma única revista, sendo quase sempre 1 história boa e 3 péssimas, ou 4 péssimas e nenhuma boa. Assim, o otário compra diversas revistas para ler as histórias que quer, mas paga por 75% de lixo e depois fica reclamando em fóruns e blogs – mas não ousa deixar de comprar para não afetar sua coleção (para mim, comprar este tipo de coisa é que seria sujar minha coleção!).

Parece que esta é a estratégia da Panini: entulhar as prateleiras de títulos (com a vantagem de dispor da melhor distribuição) para ofuscar a concorrência. Pesquisando na página da editora, pode-se perceber que, somente falando sobre as revistas de super-heróis Marvel e DC, saem regularmente 24 publicações, ao preço médio de R$ 7,50 cada. A este número, somam-se as categorias Mangás (27), WB (4), Turma da Mônica (31) e outros (10), que totalizam 96 revistas mensalmente nas bancas! Fora as edições especiais, vendidas à parte, e as encadernações de edições antigas, o que provavelmente dobra este número. Fazendo as contas, o custo total mensal de todas estas edições passa brincando dos mil reais!

Quanto à concorrência, as notícias que temos em sites e blogs especializados em quadrinhos afirmam que as duas principais editoras de quadrinhos depois da Panini (Conrad e Pixel, que publicam coisas bem interessantes) estão com um pé na cova, prestes a fecharem as portas. Com uma concorrência de uma multinacional que publica os principais títulos, não há alternativa a não ser cobrar preços ainda mais absurdos do que os da Panini, e assim entramos num círculo vicioso quanto-menos-vendo-mais-aumento-menos-vendo. Existem diversas outras editoras de quadrinhos, mas de menor expressão e que você não encontra nunca suas publicações – ou seja, estas nunca vão deixar de existir, mas também nunca vão fazer diferença nenhuma.

Há uns 8 anos que não compro quadrinhos regularmente – quer dizer, ir a bancas e comprar o gibi mensal. Compro pela internet edições de obras que podemos considerar arte, aquelas encadernadas, com temas interessantes e desenhos originais, edições antigas de super-heróis em sebos ou promoções em eventos. Gostaria de consumir mais este tipo de arte, mas infelizmente, com a visão empresarial dos que comandam a indústria, não posso. E acho que minha posição reflete a de muitos outros e explica o porquê deste marasmo no Brasil. A solução para mim? Que os quadrinhos voltem a ser publicados em formato de gibi pequeno, com papel jornal, para que barateasse os custos e popularizasse as vendas. Eu parei de comprar gibis justamente quando eles passaram a ser mais sofisticados, com formato americano e papel brilhoso, e conseqüentemente bem mais caros. Eu sei que fãs xiitas não podem nem ouvir falar em formatinho e papel jornal, já que reduz consideravelmente a qualidade dos desenhos. Para eles, as editoras têm os encadernados, republicações em formatos mais luxuosos. Funciona muito bem assim no Japão – os mangás são impressos e vendidos com o mínimo de qualidade (e preços baixos), várias histórias no mesmo volume, são lidos e depois jogados fora e reciclados, e para os fãs guardarem são publicados encadernados de luxo com as histórias dos personagens que fizeram mais sucesso. Acho que o Brasil é o único país no mundo que publica materiais editoriais sempre com mais qualidade que o original...

Eu continuo lendo todo tipo de quadrinhos, até alguns de super-heróis sem qualidade alguma, porque leio de graça – digamos que eu recebo regularmente de alguns amigos americanos. Leio só para me inteirar mesmo, para saber como estão destruindo os meus personagens prediletos da infância, tipo o Hulk o Batman, mas não dou um tostão para este tipo de lixo. Mas também compro e leio muita coisa boa, quando consigo uma promoção de álbuns artísticos – o último foi “Persépolis”, sobre o qual já-já escrevo aqui no blog.

Não está faltando nada neste texto? Sim, quadrinhos brasileiros. Para mim estes se resumem a quadrinhos de humor, área na qual alguns autores se destacam, como Angeli, Henfil, Ziraldo e Antonio Silvério, mas da nova geração não conheço muito, só alguns bem undergrounds que não são publicados em lugar nenhum além de sites mantidos por eles mesmos ou amigos. Quanto aos quadrinhos do tipo sério, álbuns com temas adultos e traços heterodoxos, não conheço quase nada, dada a escassez de material e a ineficiência da distribuição e o preço abusivo, logo não posso dar opinião sobre estes trabalhos – mas gostaria de conhecer, vejo anunciados muitos álbuns sobre pontos da história do Brasil que devem ser bem legais. Há também outro tipo de quadrinhos brasileiros, se é que podemos chamar assim, que basicamente são roteiros e desenhos copiados dos quadrinhos de super-heróis americanos por uma molecada que ainda não descobriu o que é história em quadrinhos. Ignore este tipo de clonagem malfeita de lixo. Em relação a mercado, o único fenômeno editorial perpétuo mesmo é a Turma da Mônica, que vende muito desde a minha infância. O resto é só para um mercado restrito de fãs, por isso que muitos garotos cheios de talento já começam sua carreira de artista com a máxima “não dá pra viver de quadrinhos no Brasil” na ponta da língua. Uma pena.
Ufa, já está bom para uma introdução, não? O resto vem através da coluna, sempre com alguma novidade ou algo que valha a pena ser lembrado.